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sábado, 8 de novembro de 2008

Biólogos investigam as origens da fé religiosa na evolução do cérebro humano

Biólogos investigam as origens da fé religiosa na evolução do cérebro humano
Estudos vêem semelhanças entre funcionamento da religião e o das informações genéticas.
Mente das pessoas pode ter sido naturalmente moldada para a crença sobrenatural.

Reinaldo José Lopes
Do G1, em São Paulo

O que o DNA humano e o livro bíblico do Apocalipse têm em comum? OK, a pergunta tem uma tremenda cara de maluquice, mas o fato é que ambos têm um controle de erros mais rígido que a malha fina do Imposto de Renda. Falhas na cópia do DNA podem levar uma célula a se autodestruir para não correr o risco de passar adiante o material genético “corrompido”. Quanto ao Apocalipse, sugiro que você abra sua Bíblia no fim do capítulo 22 da obra: “E, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida” – ou seja, ai de quem mexer no texto. http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/foto/0,,14114725,00.jpg
'O Juízo Final', visão do Apocalipse pintada pelo renascentista Michelangelo na Capela Sistina (Foto: Reprodução)





'O Juízo Final', visão do Apocalipse pintada pelo renascentista Michelangelo na Capela Sistina (Foto: Reprodução)



Para um número crescente de cientistas, esse tipo de semelhança não é mera coincidência. Afinal de contas, raciocinam eles, a religião também pode ser considerada um produto da biologia humana, tal como a linguagem, a arte ou o uso de drogas. E, se isso for verdade, não há nada de absurdo em usar o que sabemos sobre nossa evolução para entender por que a fé surgiu, e por que ela é tão natural para a maioria de nós.


Os pesquisadores que estão apostando nessa abordagem para explicar a religião não estão interessados em provar a existência ou a inexistência de Deus – embora muitos sejam ateus, há cristãos devotos e outros religiosos entre eles. A proposta é ver a fé como “fenômeno natural”, na definição do filósofo americano Daniel Dennett, da Universidade Tufts.



Segundo essa visão, Deus pode muito bem ouvir e responder suas orações, mas não dá para negar que, para sentir o êxtase religioso, o seu cérebro precisa ser estimulado de uma certa maneira, e não de outra. Além do mais, a arqueologia sugere que só começamos a enterrar nossos mortos e ter uma idéia de seres “sagrados” (animais, por exemplo) há poucas dezenas de milhares de anos. Por que, de repente, a nossa espécie “acordou” para o lado sobrenatural das coisas?


Dá para dividir os biólogos da religião em dois grupos principais: os defensores da “vantagem adaptativa” e os do “efeito colateral”. Para os primeiros, o ato de crer em si é que foi vantajoso para os antigos humanos – tão vantajoso que os que “desenvolveram” a fé deixaram mais descendentes e passaram o traço adiante. A principal vantagem de desenvolver o instinto religioso seria a coesão social que ele traz: se toda a tribo está unida na devoção ao seu deus, ela se torna mais trabalhadora e mais corajosa na guerra, entre outras coisas.



Já o outro grupo aposta que as vantagens para a sobrevivência vinham de características da nossa mente que não têm nenhum elo direto com a religião. No entanto, o resultado acidental dessas propriedades mentais foi estimular o surgimento da fé.



Detector hiperativo
Os defensores da religião como efeito colateral têm alguns argumentos intrigantes a seu favor. Estudando animais, os pesquisadores notaram que todos os bichos precisam de alguma espécie de “detector de agente” – um sistema que os ajuda a distinguir uma pedra ou um pedaço de madeira (seres inanimados) de outros animais, que podem querer brigar com eles, acasalar com eles ou comê-los. No caso de humanos (e talvez de grandes macacos, golfinhos e elefantes), o “detector de agente” ficou ainda mais sofisticado e se transformou na chamada “teoria da mente”.





Elefantes africanos, tal como nós, também parecem ter um tipo de teoria da mente (Foto: Antony Njuguna/Reuters)


A teoria da mente é o que nos permite imaginar que outros seres além de nós possuem desejos, pensamentos e intenções. Sem ela, nunca entenderíamos frases como “O que será que ela acha que eu estou pensando do comportamento dela?”.


Acontece que, na natureza, seguro morreu de velho. Por via das dúvidas, às vezes é melhor exagerar um pouco e usar a teoria da mente mesmo quando não dá para ter certeza que a coisa em questão tem mesmo uma mente. O resultado, diz Justin Barrett, psicólogo da Universidade de Oxford (Reino Unido), é que os seres humanos (ou muitos deles, pelo menos) desenvolveram o chamado HADD – sigla inglesa de “aparelho hiperativo de detecção de agente”.



Assim, a capacidade extremamente útil de prever ações e intenções de outras criaturas tem como efeito colateral a mania de ver intencionalidade onde não há – nas nuvens, na chuva, nas estrelas. E a distância entre isso e a idéia de deuses por trás das nuvens, da chuva e das estrelas não seria muito grande.



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A teoria da mente também poderia estar por trás de outra idéia comum em religiões do mundo todo: a da vida após a morte. É o que revelou um experimento feito pelos psicólogos Jesse Bering e David Bjorklund. Eles contaram uma historinha infantil a crianças com idade entre quatro e 12 anos. No conto, o pobre Camundongo Marrom se perde e acaba sendo devorado por um crocodilo.



Os pesquisadores, então, faziam uma série de perguntas sobre o roedor: ainda estava com fome? Ainda queria ir para casa? A maioria das crianças respondeu que o bichinho não sentia mais fome ou sede, mas ainda era capaz de pensar e ainda amava sua mãe. Para a dupla de pesquisadores, isso mostra a força da teoria da mente – como as crianças não eram capazes de conceber a si mesmas como mortas, acabam projetando essa incapacidade na imagem do camundongo morto e pensante.



Alta fidelidade
Uma vez estruturada, a religião (assim como acontece com outros aspectos da cultura humana) teria assumido algumas das características dos seres vivos. O caso do Apocalipse seria um exemplo das várias técnicas para assegurar a transmissão de textos sagrados, músicas, rituais e outros elementos com alto grau de fidelidade, tal como o DNA faz.



Não é à toa, por exemplo, que as cerimônias religiosas quase sempre envolvem palavras ou movimentos repetitivos e multidões, diz Daniel Dennett: a responsabilidade de “acertar” o ritual fica distribuída entre muitas pessoas, e isso, em geral, aumenta a precisão com que ele é reproduzido e transmitido.


Finalmente, argumenta Dennett, as religiões também passariam por uma espécie de “seleção natural”, tendo seus dogmas e cerimônias constantemente ajeitados e atualizados para conquistar mais adeptos, dando origem a religiões “filhas” e, muitas vezes, morrendo.


É claro que essas idéias são só as primeiras engatinhadas rumo ao entendimento do fenômeno religioso. A julgar pelas outras áreas da biologia evolutiva, no entanto, é de esperar que a abordagem ajude a abrir de vez a caixa-preta da fé.

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